
O início foi um pouco diferente do esperado pois não consegui me desligar do trabalho e continuei a frequentar o escritório como um cachorro que não percebe a morte do dono, mantendo contato com pessoas e acompanhando tudo que acontecia pelas redes sociais. Foram muitas noites sonhando que ainda estava trabalhando, dos desafios, das negociações e das discussões. Em um determinado momento meu corpo já não ia para o trabalho mais minha mente demorou para se dar conta, até que um dia alguém me disse: “Você precisa se afastar, precisa seguir sua vida. Deixa que agora é com a gente!”. E só a partir desse momento percebi que precisava virar a chave.
Comecei a colocar na mesa todas as possibilidades: Morar em Portugal? Morar na Argentina? Viver uma vida mais tranquila no interior? Mudar para uma praia do Nordeste? Cursar uma nova graduação? Me dedicar diariamente a exercícios físicos? Voltar a surfar e ficar próximo da praia? Fazer um mochilão pela europa? Quando as opções são infinitas, tomar uma decisão é praticamente impossível e não nos deixa mais felizes ou satisfeitos, como já dizia Barry Schwartz em O Paradoxo da escolha.
Como tinha algumas pendências para resolver, fui levando a vida na mesma cidade e sem grandes mudanças. Eram pequenas obras que precisava finalizar no apartamento, carro que precisava vender, objetos que precisava doar. Comecei a simplificar minha vida e isso foi levando mais tempo do que esperava e cada vez mais me deixava preso com tantas "tarefas". O ambiente nunca estará totalmente favorável para grandes mudanças, sempre existirão coisas pendentes para serem feitas. Considerava um curso de marcenaria, aprender um instrumento musical, fazer um curso de línguas, me matricular em uma academia, mas o tempo foi passando e não fiz nenhuma dessas coisas pois não queria me apegar em nada que me deixasse fisicamente preso. No fundo eu não percebia que estava com medo de sair da minha bolha de segurança.
O fato de eu ter medo de avião sempre me atrapalhou em ir e vir quando se trata de lugares que o ônibus se torna um martírio (para mim, qualquer distância acima de 500 km). Eu não deixo de viajar, mas tento me esquivar e evitar a viagem ao máximo. Pensei em comprar um carro SUV e viajar por diversas cidades, mas o risco de fazer isso em um país como o Brasil me desencorajou.
Passado os primeiros 6 meses (por volta de fevereiro de 2018) a minha vida estava horrível. Estava me sentindo completamente sozinho e deprimido por ter planejado mudanças e não ter conseguido colocar em prática. Comecei uma terapia para tentar entender minhas dificuldades em sair da zona de conforto e desbravar novos caminhos. Nesse período eu estava solteiro e sem um trabalho para ocupar minha mente. Costumava dormir as 5 da manhã lendo blogs de finanças e assistindo filmes, e acordava às 13:00 hrs num estilo de vida onde não vivia, apenas sobrevivia.
Um texto muito interessante que retrata o que sentia:
"O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde onde as certezas moram."
Interessante como a insatisfação é o maior remédio para fazermos algo diferente. Na primeira quinzena de fevereiro eu tentei "viver o carnaval" e o vazio ficou ainda maior, pois não me identificava com aquela felicidade extrema das pessoas regadas por álcool e extravasando tudo que elas não podiam expor publicamente no restante do ano. Isso foi o estopim para eu ir até uma loja de esportes e comprar uma mochila de viagem e alguns acessórios para enfrentar uma aventura sem data de retorno. Estava decidido que iria enfrentar meu medo de avião e viajar para algum lugar do Brasil nas próximas 24 horas.
Na manhã seguinte preparei a mochila, comprei uma passagem e no fim da tarde estava a caminho do aeroporto com destino a Belo Horizonte. Tudo ocorreu bem durante o voo e numa escala de zero a dez meu medo foi quatro (ansiolítico sempre me ajuda nessas horas). Deixei para reservar o hotel assim que o avião pousou e esse planejamento praticamente inexistente continuou por toda minha viagem. Estava tão decidido a enfrentar meu medo que preferi pensar que se morresse de um acidente de avião, pelo menos não seria por covardia. Foram 2 meses fazendo mochilão pelo Brasil me sentindo vivo! Passei por muitas cidades e lugares, tendo contato com pessoas diferentes e conhecendo histórias muito interessantes e outras pessoas que estavam em busca de um sentido em suas vidas. Relato um pouco mais dessa vivência nesse post.
Essa experiência foi um divisor de águas e fez tudo valer a pena, pois estava livre de compromissos e pessoas. Toda minha energia e atenção estava em desfrutar e planejar onde e quando seria o próximo destino. Foram experiências repletas de aventuras e perrengues dos mais variados tipos, como ir num posto de saúde do SUS para tratar uma asma em uma cidadezinha que só tinha um médico, dormir em hotel de beira de estrada pois a BR-101 desabou com as chuvas, vagar na escuridão de Caraíva com o tênis cheio de areia porque o ônibus atrasou e a pousada estava com a recepção fechada. No fim tudo correu bem e eu provei para mim mesmo que sou capaz de enfrentar sozinho o desconhecido.
Minha viagem se encerrou em Salvador, uma lugar que me fez conhecer um pouco mais sobre a história do Brasil. Decidi ficar alguns dias para conhecer a cidade e em seguida pegar um voo de volta para casa.
Aprendi que no fim das contas a liberdade e as prisões somos nós quem criamos. Nos dias de hoje todos nascemos livres, mas ao longo da vida criamos raízes que só torna nossas vidas mais complexas e imobilizada.
Estou fazendo uma série de posts sobre meu primeiro ano FIRE, onde já falei sobre Glamour x Liberdade e nos próximos falarei sobre fluxo de caixa e investimentos, a romantização da aposentadoria precoce, e quais serão meus próximos passos em relação a matrix (sair completamente, voltar de cabeça ou conciliar ambos.)
Um grande abraço!